LC 155/2016 e o Investimento Anjo no Brasil

No dia 27 de outubro de 2016, foi sancionada a Lei Complementar nº 155/2016, que altera a LC 123/06, para dentre outras coisas, estabelecer o regime de investimento anjo no nosso país para as microempresas e empresas de pequeno porte. As novas regras se encontram dispostas nos art. 61-A ao art. 61-D, a passaremos a falar sobre os principais pontos a partir de agora.

1. As Novas Disposições

Em primeiro lugar, cabe destacar que a nova legislação preferiu criar um instituto novo ao invés de já se aproveitar de outros institutos largamente utilizados pela prática empresarial brasileira, tal como a sociedade em conta de participação. Pela redação da nova legislação, o investimento anjo é realizado pela celebração de um contrato de participação em que figuram uma microempresa ou empresa de pequeno porte como “investidas” e uma pessoa física ou jurídica que aporta capital para o incentivo à inovação ou investimentos produtivos. O aporte do capital não configurará receita ou tampouco integrará o capital social da empresa, não sendo o investidor considerado como sócio e, portanto, não sendo responsável por quaisquer dívidas da empresa e não possuindo qualquer poder de voto ou gerência nas atividades da empresa investida. O contrato terá duração máxima de 7 anos, e a remuneração ao investidor se dará na forma de distribuição de resultados, cujo valor máximo corresponderá a 50% , mas o investidor somente poderá ser remunerado por um prazo, máximo, de cinco anos.

Ainda, a legislação colocou o prazo mínimo de 2 anos para a permanência do investimento, isto é, uma vez aportados os valores, o investidor não poderá resgatá-lo antes de 2 anos. Nesta hipótese, deverá ser levantado um balanço especial, na forma do art. 1.031 do Código Civil, para verificar o valor da participação do investidor que, de acordo com a lei, não poderá receber além do valor investido acrescido de correção monetária. Também deverão constar no contrato, obrigatoriamente, o direito de preferência ao investidor anjo e o tag-along para o investidor.

Por fim, a legislação prevê que os fundos de investimento também poderão realizar os aportes na forma de investimento-anjo.

2. Questões Controvertidas

A primeira delas diz respeito a criação de uma figura extremamente híbrida. O investimento anjo no Brasil, ao contrário de outros ecossistemas no mundo, passou a ser uma situação prevista em lei e um instituto completamente novo para o Direito. É contrato, por essência, mas confere direitos comumente exercidos apenas por sócios. Apesar de dizer claramente que o investidor não é sócio e não pode exercer direito de voto ou de gerência, o cálculo do valor de sua participação é feita com base no balanço especial do art. 1.031, do Código Civil, que é utilizado para calcular a participação de um sócio que deixa a sociedade. Ainda, criou a figura de um terceiro que participa dos lucros do negócio.

Talvez, fosse mais prudente a utilização de institutos já existentes no ordenamento jurídico e plenamente arraigados na prática empresarial, tal como a sociedade em conta de participação. Tal instituto existe na legislação brasileira desde o Código Comercial de 1850, sendo plenamente conhecida dos atores e dos Tribunais Brasileiros. Será realmente que precisaríamos de mais um elemento de incerteza no já tão arriscado mercado de investimento anjo?

Outro ponto é o que tange à contabilização destes aportes para a viabilização do investimento anjo. Uma vez que os valores não serão considerados receitas ou tampouco integrarão o capital social da investida, como deverá ser realizada a escrituração destes aportes? Será criada uma conta específica? No lado do ativo ou do passivo? Deveremos aguardar para ver quais serão os desdobrados deste ponto.

Consequentemente, o outro problema que surge desta questão é como também escriturar os valores que serão repassados aos investidores e qual a tributação que incidirá nessa operação, já que o art. 61-A, §10, deixa liberdade ao Ministério da Fazenda em eleger como tributar a remuneração do investidor, tanto para o recebimento dos resultados como no seu resgate. Vale lembrar que pela lógica da lei, o entendimento é que o investidor se remunera sobre o lucros que a empresa investida é capaz de gerar, situação que a prática tem demonstrado não ser bem assim. O raciocínio óbvio seria que a distribuição de resultados ficassem isenta e uma alienação do contrato de participação obedecesse as regras do ganho de capital, mas isso não é uma certeza.

A questão do resgate do investimento também é um ponto que acabará tendo um debate acalorado, posto que além de ser obrigado a permanecer com os valores depositados por dois anos, caso após o período a empresa seja valorizada e o investidor deseje resgatar este investimento, somente poderá receber o valor de volta corrigido monetariamente, ainda que a empresa tenha experimentado uma valorização maior. Novamente, é preciso dizer que a operação já é arriscada o suficiente por todos os motivos que cercam o ecossistema empreendedor brasileiro, o problema maior é justamente criar os incentivos para que alguns investidores que pensavam em se aventurar, não o façam.

A lei também é ambígua, no sentido de que prevê uma duração de contrato por prazo máximo de 7 anos, mas o investidor só pode ser remunerado por 5 anos. E os dois anos restantes?

Por fim, a legislação ainda prevê que o investidor anjo não poderá ter direito a voto ou gerência sobre a sociedade. Sabe-se que muitos empreendedores escolhem seus investidores também pelo conhecimento sobre o ramo de atuação da empresa, de modo que, até então, era plenamente comum ver nos contratos um certo poder de veto no que tange à operações que pudessem onerar a empresa demasiadamente, ou ainda, alterações societárias que pudessem prejudicar o investidor. Pela nova sistemática, tais situações não são mais possíveis, ao menos se o que se pretende é estar no âmbito de abrangência da lei. Deste modo, ao investidor deverá recair o ônus de encontrar outros mecanismos (certamente mais fracos) de fiscalização dos empreendedores ou se sujeitar passivamente às atitudes tomadas. Lembrando que muitas vezes os empreendedores não possuem a experiência necessária para gerar os melhores resultados, razão pela qual um certo sistema de “freios e contrapesos” acaba sendo salutar ao negócio.

Também é importante ressaltar que a legislação permite que os Fundos de Investimentos realizem investimentos nessa modalidade. Contudo, é preciso lembrar que os Fundos de Investimentos, são regulamentados pela CVM, através da competência atribuída pela 6.385/76. Pelas normas vigentes aplicadas à estas figuras, os Fundos de Investimento em Participações, ao realizarem aportes em empresas, devem obrigatoriamente participar da gestão destes negócios, quer  seja por integrar o bloco de controle, o  conselho de administração ou por qualquer outro mecanismo que lhe permita participar do direcionamento estratégico do negócio. Ou seja, pelas disposições da legislação, existe um aparente conflito de normas, pois ao passo que a LC 155/16 permite a participação dos Fundos nessa modalidade (sem gerência ou poder de voto), a CVM, através da competência atribuída pela Lei 6385/76, diz que é necessária a participação na gestão do empreendimento.

Deste modo, nos resta esperar para saber os resultados que esta legislação alcançará e se, de fato, trará a segurança jurídica almejada.

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